Pela manhã, quando por ali eu passei, vi apenas um leite derramado.
Agora à noite, tornei por ali passar e vi um leite fermentado.
Entre o encontro e o reencontro, passaram-se doze horas, aquele mesmo intervalo prescrito pelos médicos para exames laboratoriais.
E foi nesse jejum que algo se deu: olhei, era o mesmo, na mesma posição em que estava quando o sol ainda irrompia a neblina. Minha indiferença dissipou-se com o luar.
O tal recipiente estava caído a poucos passos de uma escola.
Pais estacionam seus veículos exatamente naquele lugar e logo cedo ajudam seus pimpolhos a descerem do carro, carregam uma bagagem que poderia ser confundida com a de uma viagem.
As crianças estão uniformizadas, porém nem todas acordadas e então ocorre uma espécie de malabarismo entre carregar as malas e arrastar o rebento semi-desperto.
Certamente aquela garrafinha plástica teria caído ou da mão sonolenta ou de dentro de alguma das malas.
Devia ser o lanche, ou mesmo o café da manhã engarrafado plasticamente.
Teria a criança ficado com fome?
A professora percebeu?
Escreveu um bilhete na agenda?
Quem leu o bilhete? A mãe ou o pai?
De quem seria a responsabilidade de deixar uma criança tão pequena sem lanche?
A essa hora da noite estariam os pais discutindo? Horários, correria, displicência, uma rápida conferida no facebook?
Ou teria sido a própria criança que lançou longe dos olhos da mãe aquele monte de lactobacilos vivos ao chão?
Prefiria uma versão mais moderna, atualizada, tipo uma caixinha estampada com o Bob Esponja?
Estaria enjoada do sabor ou da embalagem que não muda há décadas?
Quem passou por ali como eu, lembrou-se da moça que empurrava o seu carrinho e batia palmas no nosso portão para vender o produto mágico que fazia tanto bem à saúde?
Quem se lembra que havia blocos ou pedrinhas soltas de gelo em cima das garrafinhas?
Sua mãe comprava? A minha quase nunca... Só mesmo para acalmar as lombrigas vez em quando.
Alguém como eu teria pensado em pegar do chão para beber, mas imediantamente veio à mente alguém com uma ínfima seringa e agulha injetando algo venenoso lá dentro?
Como se chamam mesmo aquelas pessoas que fazem parte de um movimento que saem às ruas de noite para pegar alimentos em bom estado? Será que eles bebem leite fermentado?
Qual seria mesmo a cor do tal leite fermentado? Nude?
Depois que todas essas ideias fermentaram na minha cabeça, resolvi voltar ao local do leite derramado e fotografar para poder ilustrar o texto.
E?
A foto saiu uma porcaria.
Lamento, bem no momento em que me abaixei para fotografar apareceu uma barata e entre um grito abafado, o coração acelerado e o medo no mais alto grau, foi o melhor que pude fazer.
E aí, conseguiu ver a barata?!
Oi Ana Paula,
ResponderExcluirGostei do seu post com um toque kafkiano….não vi barata alguma…
Às vezes me pego imaginando a história dos objetos que encontro por aí também.
Bjs
Teu texto me fez lembrar dos lanches da Alice ai em SP, sempre mandava os lactobacilos hehe e quando minha sobrinha morava comigo, era uma senhora ue vendia em casa e eu comprava desde os leites às sobremesas hehe, em tempos de natureza livre e vivendo ao lado de árvores frutíferas acho que aqui há mais de um ano a Alice nunca mais tomou um desses, deu lugar ás frutas
ResponderExcluirAna Paula, eu conheço bem esta garrafinha, tomo até hoje.
ResponderExcluirEu gostei desse modo seu de textualizar os pensamentos, a cada frase eu consegui visualizar o que você dizia.
Também não pego nada assim para consumir, morro de medo.
Dá até pena de ver as criancinhas indo tão cedo pra escola, arrastando estas mochilas pesadas, pena deles e dos pais que precisam trabalhar.
um beijo grande carioca
Ainda bem,não vi a barata. O que vi é que me fizeste lembrar do velhinho que vendia na minha porta ,há anos e agora neno toma esse potinho!
ResponderExcluirTu falas muito bem, nos leva junto contigo... Lindo de te ler sempre e tão bom! beijos,fiquei feliz que arrumaste um tempinho,rs beijos,chica ,lindo dia! chica
Pronto, resolvido o problema: a barata se fartou com o leite fermentado. Se você tivesse um vizinho japonês ele já teria recolhido para o lixo e a gente ia perder uma crônica tão deliciosa como esta.
ResponderExcluirNão me esforcei para encontrar a barata. Sou menina para desmaiar na frente de um bichinho desses. É pânico mesmo!
ResponderExcluirBeijinhos
kkkkk só vc p imaginar tanta coisa kkkk vai ver a criança odeia esse negócio que serve p matar as bactérias do intestino e jogou longe mesmo rsrs Bjossss
ResponderExcluirOi, Ana Paula!
ResponderExcluirSomente você é capaz de fazer uma crônica com assuntos inusitados :D Não me lembro dessas garrafinhas quando era crianças, somente depois de adulta através do meu irmão que usava Taffman-E antes das atividades físicas. Tinha um gosto horrível e um dia ele também comprou Yakult, dizendo que esse era para as "moças", mas só poderia usar se estivesse com intestino preso ou se tivesse tomado antibiótico. Não sei se isso é correto, mas aqui em casa, as crianças só tomam como "remédio" e se tomar demais, pode desarrumar a flora intestinal. Talvez uma mãe que tivesse tomando quando caiu... como merenda para criança, não mata a fome - Água seria melhor para tomar! (rs*)
Não vi barata, mas algo parecido com um toco de cigarros. Acho que preciso de óculos!
Beijus,
Adorei sua cronica, com pitadas de sarcamos, toques com sutiliza, um tantao de saudozismo (ou seria saudosismo- nao sei, desculpa) e esse medo.
ResponderExcluirMinha avo' comprava o leitinho gostosinho fermentado para nos mas muito de vez enquando porque era caro. Agora ja' nao me atrae mais e nunca ofereci para meu filho.
Agora dona Ana Paula faz favor de ir resolver essa questao de medo de baratas pois dizem os psicologos que isso tem a ver com a relacao entre voce e sua mae.... por favor.
Abracos
Gra'
(e mais uma vez muito obrigada pelo carinho de passar no blog e comentar, isso me deixa muito feliz).
Você é mesmo uma escritora do inusitado Ana. Tira ideias, reflexões, memórias de cada coisa impensável. Como não amar?!? Eu viajei com você, lembrei da infância, minha mãe comprava para mim e eu ainda compro em memória disso porque eu sou uma pessoa nostálgica.
ResponderExcluirAna Paula,
ResponderExcluirvc potencializa o traço da crônica, nos transportando no tempo e no espaço de tua sensível escrita.
As tais garrafinhas não são do meu tempo e não cheguei a oferecer uma delas aos filhos, mas até sei sobre seus benefícios.
"Entretempos" fermentados, o bom é degustar-se um texto assim.
Bjkas,
Calu
Esse foi um texto pegadinha Ana!Eu bem achando que ía fala do desperdício de comida e no fim tu me vem com essa barata! kkkkkkk foi engraçado. Lembrei de quando eu corria pra jogar o suco fora (shame on me!) pq não gostava. Ma sforam poucas as vezes que consegui me livrar do suco, pois minha mãe sempre me seguia.
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