domingo, 10 de maio de 2015

O Patinho Feio


Demorei-me diante do pato.
Eu, tão urbana, num logradouro que traz em sua descrição a palavra "centro", fiquei surpresa com o encontro.
Algo a mais, além da surpresa, havia.
Eu apenas não sabia.

Mantive uma distância respeitável. Ele, receptivo, permitiu-me pequenos passos em sua direção.
Tristeza foi o que enxerguei. Ou talvez fosse saudade, nostalgia, recordação ou algum outro sentimento em tom de aquarela.

Levei a mão ao bolso da calça e peguei o celular que naquele momento era apenas uma máquina fotográfica.
Quatro meses se passaram desde a imagem capturada.

No dia das mães eu soube que o sinônimo para todas aquelas palavras que definiram o pato - saudade, recordação, nostalgia - estavam incorretas. A palavra certa era simplesmente calor.

A história O Patinho Feio era lida por minha mãe com uma tonalidade suave de voz e gestos de igual leveza ao virar uma página depois outra até o fim da história.
Naquela versão, o feio pato, ao avistar dentro do lago uma linda mamãe pata, lançava-se num mergulho repentino e então acontecia o pior: era de madeira a enorme pata; era enorme a dor que ele sentira ao bater a cabeça.

Aquela dor me invadia, aliás me invadiu por incontáveis leituras.
Mas por muitas tardes e noites, o final da história era feliz.
Eu me aninhava no colo dela, ou se fosse noite, ela se deitava comigo até eu adormece e era o calor de seu corpo que diluía aquela tristeza em mim e antes mesmo que eu adormecesse, já tinha em mim uma sonolenta alegria quentinha!

O dia em que encontrei o patinho, achei por um instante que ele representasse a saudade, a recordação do patinho feio na leitura de minha mãe.

O pato era calor. O calor da sua voz, corpo, olhos, que levava embora a tristeza, a angústia.
O pato era a recordação do calor que ficou e fixou em mim.
O pato é o aprendizado de que a dor de bater a cabeça passa, cura, sana.

A dor da ausência do calor de uma voz, de uma pele, faz-me sentir ainda mais ternura por um patinho feio.
A dor da ausência já foi um tom forte de alguma cor, um lápis pressionado com toda força que chega a marcar a folha seguinte.
Hoje não há dor, há calor.
Um calor agradável, gostoso, feito um tom suave de aquarela passada com movimento delicado do pincel, bem diluída e bela de ver e sentir.

Dias das mães de calor ausente, que a dor da partida possa ser trocada pelo calor das boas recordações.

7 comentários:

  1. Emocionante ,Ana Paula! Só o que posso te dizer,além de lindo o teu modo de escrever! As coisas são assim..Lindas recordações! bjs, ótima semana! chica

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  2. Aprendi nas leituras e filosofares meus e alheios que o Patinho feio era um cisne na verdade, por dentro. Como as vezes águias são galinhas num outro extremo.

    Eu amo patos, adoro ver eles, gosto do andar simpático, do ir para água com charme e flutuarem, da brancura ou cor terra de alguns, da rechonchudice, das patas e bico e nunca me entristeceu a história.

    Vejo hoje que a partir do conto do Patinho feio, para reflexão, para uso didático, social e psicológico, há um rico paralelo a se fazer com os negros, pessoas com sobrepeso ou qualquer diferença estatística e padronizada, com minorias, com classes, com religiões.

    Amei o texto!
    E amei a foto!

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  3. O teu escrever é belo ao transfigurar na fotografia , na memória da história do pato contado por tua mãe tão terna e afeituosa. As palavras, os contos, a mão que afaga marcam em nosso coração amor e alegria e quando se vão pelo tempo deixam em nós saudade, mas que não se podem apagar. Lindo demais te ler, bjs. Tem novidade no blog

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  4. Olá, querida Ana Paula
    Um dia vou me lembrar do seu post... ainda os a patinha feia... rs...
    Ontem chorei rapidamente mas a filha me consolou com uma verdade compensadora...
    Seja feliz e abençoada!!!
    Bjm fraternal

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  5. As mães são eternas _ está em nós para sempre, as lembranças fluem como nessa bonita foto de um pato triste.
    Amei a leitura,
    deixo o abraço

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  6. Oi Ana Paula, que belo texto esse patinho despertou.
    É verdade o que disse, a saudade é uma dor, tem momentos em que ela se agudiza. Acho que as boas recordações ajudam a suportá-la.
    Bjs

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  7. This bold assertion began in 2012 with Nvidia saying its mobile GPUs would soon overtake the Xbox 360, and with Apple saying its iPhone 5 has “console-quality graphics” — and by 2013 the PS Vita had indeed caught up with the PS3.
    RS Gold

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