quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Costure as frases

Na minha infância, minha mãe comprava yakult da moça do carrinho que batia palmas em frente a nosso portão, comi cigarrinhos de chocolate, andei no fusca de papai sem cinto, assisti programa de calouros com a Aracy de Almeida e passava as manhãs assistindo Xuxa.

Em algum momento decidi que com meus filhos tudo seria diferente.
Não tiveram dvd, nem tv no quarto. A Tv Cultura foi o que lhes marcou a infância com video clipes do Palavra Cantada, Castelo Rá Tim Bum, De onde vem, com a Kika, Reporter Eco que se tornou tradição aos domingos.

Fui chamada para uma reunião de urgência quando meu filho estava no 6˚ ano (hoje está no 9˚). Foi uma reunião cara a cara com a professora de Língua Portuguesa. O menino havia tirado nota vermelha e ela estava inconformada com aquilo. O motivo? Eu o havia criado de uma maneira muito diferente.
"Ele não sabe quem é Bob Esponja. Olha aqui na prova essa interpretação: ele não tem a menor noção do que se trata e por isso errou tudo".

Foi impossível conter o brotamento das minhas lágrimas diante da professora. As palavras encarceradas por um horrível e enorme nó que fechou minha goela.
Mas eu pensava. Eu ainda conseguia pensar. Poxa! Eu li a revista Pais e Filhos, a Crescer e também comprei a edição especial de Cláudia Bebê e eles indicavam Baby Einstein, Mozart para crianças e Lego. Fiz tudo direitinho. Não me lembro de terem indicado Bob Esponja.
E agora, a nota vermelha era culpa exclusiva minha. Eu teria que me redimir perante meu filho.

Muitos anos se passaram sem que Bob Esponja me atormentasse novamente. Teve uma única vez que o rebento me pediu para comprar uma bolacha recheada embalada e estampada pelo personagem. Recusei. Compra outra.

Ontem, tive reunião escolar coletiva do meu filho. Era para falar que eles iriam para o Ensino Médio, que lá a história seria outra. Tudo muito exigente. Tardes inteiras de provas, alternando provas em estilo Fuvest e na outra leva, estilo Enem. No segundo ano terão que se direcionar para uma área específica. No terceiro ano, farão provas aos domingos, não importa se for Natal ou dia santo.
Senti uma leve pontada. Meu filho nem teve tempo de conhecer o Bob Esponja e a vida já o espera dessa maneira.

Passeei com o cachorro pela manhã. Havia um papel dobrado caído no meio-fio. Me contive para nào pegá-lo. Parecia que o papel se comunicava comigo. Senti medo de sentir essas coisas.
Na segunda e terceira vez que saí com o cachorro, ainda estava lá o papel.
Na quarta e última antes de dormir, ele, o papel, tinha se deslocado um pouco do lugar inicial. Lancei-me a ele, afinal tinha acabado de ler um trecho de um livro em que uma carta, após um atropelamento de quem a segurava, perdeu-se e causou muitas coisas.

Contive-me para não abrir o papel dobrado no caminho. Deixei para fazê-lo em casa.
É uma prova e é da escola do meu filho!
É uma prova do ensino médio, do 2˚ ano do médio, não sei definir se é a prova estilo Fuvest ou Enem, mas é, ou melhor são duas provas em uma folha: Física e Biologia.

Para meu desespero, a questão de Biologia é inquestionavelmente sobre o Bob Esponja.


15 comentários:

  1. Puxa, Ana Paula,dá um frio na barriga ver tantas coisas que eles tem que enfrentar em nome do vencer na vida!!!

    E , tantas vezes me pego pensando se não seria muito melhor uma vida mais simples, em contato com a natureza, numa beira de praia, com um trabalho simples, sem canudos ou outras coisas, onde a qualidade de vida importasse!



    E também não sabia da "importância" do Bob Esponja na vida das crianças!!! CREDO!!

    Acho que estamos num lugar errado ou vivendo época errada! Sai dessa quem puder!!!

    Incrível o fato, mas muito bem contado e que nos prende até o final! bjs,m lindo dia! chica

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  2. Nossa parece até piada né?


    bjokas =)

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  3. Imagino a tua aflição! Vou repassar tua história para a minha Ana Paula que tem as mesmas preocupações tuas e um filho de 3 aninhos que, provávelmente, vai passar por isso também.
    Grande abraço!
    Sonia

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  4. Kkkkk, Ana Paula, desculpe , não me leve a mal, porque o tom do seu texto não é de humor, mas não tive como conter o riso!
    Parece brincadeira do destino...
    A gente tenta protegê-los tanto do mundo, mas o mundo entra neles de qualquer jeito. Não há como evitar! Não podemos controlar tudo...
    Bjs

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  5. Adorei
    Tipo tudo
    A Cultura por ser salva, emissora, em sintonia com meu post de hoje
    As bordas
    Entremeios
    Costuras
    Remendos
    A graça
    E posso dizer aqui, a desgraça ?

    Enfim
    Meu filho viu muuuuuito TV Cultura e por uma inciativa minha ao perceber personagens nos papos da escola que ele só observava
    É que eu vivia metida na escola pra tirar fotos nas festinhas, saia um pouco depois de descolar dele, chegava antes, para resenhar, colher, plantar e tal
    E trabalhava, na rua e em casa

    Pois bem, fiz uma intervenção, daí, creio, atirando no que vi acertando no que não via, nada de notas baixas sem nada de ode aos canais pagos e personagens dementes
    Pensei e coloquei assim para ele: Filho assista esses aqui pra vc ter senso crítico
    Acredita que ele entendeu o que era senso crítico e levou cultura para escola além de se antenar e até juntos gostarmos do tal Calça quadrada (O Bob Esponja) e lições anti capitalismo notar lá, de amizade, trabalho nas histórias sobre as diferenças, inventividade e outros Desenhos com seus personagens que aos meus olhares, conduzindo os dele e de com quem batia e bato papo ainda hj, faço ver além da modinha e do bobo da coisa

    Fato é que não acho justo ser questão de prova
    Pense, se pegam um personagem ou programa da TV Cultura ou Educadora, aposto que ia ter quem reclamasse e tivessem razão, pela tal da maioria

    Ai eu pergunto, é prova de cultura ou de atualidades, de ciências, biologia ou de desenhos animados pops?

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  6. Nossa, Ana... Seria cômico se não fosse trágico. Jamais imaginei que o Bob esponja fosse tão "importante". Agora a professora foi bem incompreensiva, viu? Seu filho não deveria ter tirado nota vermelha apenas por não conhecer um personagem; ela poderia reformular a questão. Infelizmente aqui no Brasil a Educação ainda funciona como uma caixa fechada - Só se considera aquilo que está dentro da caixa, não importa se há outro mundo de possibilidades lá fora. Como diria Paulo Freire: "Não há saber mais ou saber menos. Há saberes diferentes."
    Acredito que seus filhos têm capacidades que talvez nem eles mesmos tenham se dado conta ainda, talvez por causa desse sistema de ensino. Sinceramente, não vejo necessidade de realizar provas aos domingos no ensino médio, por exemplo; isso é muito desgastante!

    Mas enfim, ainda tenho esperança de que este sistema pode mudar.

    Que tenhamos um mundo onde se possa compartilhar conhecimentos, sejam eles sobre personagens, flores, bichos, disciplinas, músicas, ou o quer que seja!

    Beijo grande*

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  7. Ana Paula querida,
    Achei super interessante o seu relato.
    Infelizmente, hoje em dia, as crianças já nascem "conectadas"
    Isso é bom por um lado, mas ruim por outro.
    A minha netinha vai nascer em outubro.
    O meu genro já disse, que não vai permitir que a filha use estas fantasias que estão na moda agora.(Princesa, Branca de Neve, etc)
    Eu também não acho legal a criança sair fantasiada, mas o que fazer se todas as amiguinhas se vestem assim?
    Acho que fantasiar a criança só é valido no carnaval.
    Um beijinho carinhoso para tí de
    Verena e Bichinhos

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  8. Oi Ana, tambe´m me perco chovcada, agoniada pensando no que devo ensinar a Alic,e como devo educá-la, o que é certo ou errado, sobre desenhos que deva assitir, com que brincar. concordo que a vida passa ligeiro e nem saem das fraldas já passam por pressão de provas. A Alice dia desses peguei duas noites sem dormir, acordando de madrugada, quando fui perguntar o que era , ela disse que teria prova de matemática. Dai são questões tão distantes da realidade, é mesmo a escola sendo reprodutora da sociedade e se invertem os papéis. Tem novidades no blog

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  9. Ana,
    Pra começar já me coloco frontalmente discordante da primeira prova que seleciona um personagem midiático como enredo da avaliação sem antes ter havido uma prévia pesquisa em sala sobre o tal, quem já tinha visto e coisas assim...Decepcionante!
    No segundo episódio dá-se basicamente o mesmo enredo.Tem de haver um critério em usar-se os personagens da mídia como base de elementos da atualidade para mesclar os interesses dos alunos.
    Finalizando: sou contra, contra, contra o currículo do nosso ensino médio :(

    Dias melhores virão, minha cara poetisa.
    Bjos,
    Calu

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  10. Querida Ana Paula,

    Terminei hoje de ler seu livro, tive que ir saboreando aos poucos, me senti extasiada de tanta beleza e delicadeza. Não sei se vou conseguir traduzir em palavras tudo o que senti.

    Admirei sua coragem de raspar os cabelos e deixá-los ao natural (estou no time das esperançosas...)
    Me emocionei com o menino o pai e o futebol, ri bastante com a Visceral (adorei sua criatividade e sabedoria...) me emocionei de novo com seu parto, senti todo o enternecimento da minha primeira água com meu filho, adorei sua travessura do primeiro dia de aula.

    Nunca tinha percebido a alegria que sai da tuba até ler sua crônica (e é verdade!), me inspirei na sua força de vontade com o Pega-pega (quando eu puder fazer atividades físicas...), achei o máximo o seu insight com o deboche do guarda-chuva (eu também passei por isso!) e muito poética sua "conversa" com ele ao se despedir me trouxe muitas lembranças...

    Vi as mãos de Eugênia banhadas pela cálida luz do sol, e o turbilhão de emoções me invadiu com o almoço em família, passei pelas mesmas agruras nos parquinhos com meu filho, tantas interrupções e agora me dão saudades. E pude sentir sua tristeza diante da xícara de café.

    Enfim....Só posso te agradecer! E parabenizar pelo talento!
    Vou indicar para todas as mulheres dos meus grupos e farei um post no blog em breve.
    Continue!
    Grande abraço com carinho



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  11. Geeente, que história, kkkkkkk!!!! Como diria minha filha, #magia, kkk! Li algumas das revistas que citou e muitos livros do Içami Tiba, mas não privei minha filha de assistir Bob Esponja, kkkk!
    Pais sempre fazem o seu possível para o bem dos filhos, errar faz parte... infelizmente temos uma cultura que circula em torno da mídia, é trabalhoso mudar isso.
    E o mais estranho é que hoje em dia quando vejo alguém detonando a Xuxa lembro quantas vezes dancei as coreografias e quis ser Paquita, kkkkk! Mas nem por isso sou bitolada, kkk! Nem você, né?
    Vou pensar duas vezes antes de pegar papéis do chão!!!
    Abraços!

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  12. Gostei de ter encontrado este blog. Vou seguir.
    Beijo.
    Nita

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  13. Olá, querida Ana Paula
    Saudade de passar por aqui e ler post maravilhosos... tive 15 dias sem net por uma pane na região, fiquei 'ilhada', rs...
    Meus netinhos serão bem sucedidos se depender de bob, de peppa e outros... rs...
    Entretanto, dou-lhes livros e mais livros bem distintos... vamos ver se sai tudo bem quando atingirem a idade do seu filhão...
    Quanto ao mais velho, já na pré adolescência, não tenho problema algum, pelo contrário, é aluno destaque e se dá super bem; ama ler e dou sempre livros pro estudioso da família...
    É incrível que o meu segundo grau ( o seu também deve ter sido) foi fantástico e saiamos formadas verdadeiramente para concursos públicos e outros... maravilha!!!
    Bjm fratenro

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  14. Lembrei de quando eu era crianças, vendo essa foto. <3
    http://juliararodrigues.blogspot.com.br/

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