sexta-feira, 27 de maio de 2016

Vamos falar sobre o verbo estuprar

Foi esta tragédia, mais uma aliás, do estupro coletivo da garota que está me impulsionando a escrever este texto.
E talvez o que eu vá escrever não tenha relação nenhuma com os fatos que nos chegam.
Mas é algo que, de repente eu percebi por causa desse acontecido.

Vou tentar ordenar os meus pensamentos, que confesso andam confusos.

Há uns dois anos eu estava num auditório com muitos pais, avós, responsáveis, para uma reunião escolar.
O coordenador geral em determinado momento que se discutia sobre a leitura de clássicos e eles acharem chatos, disse que nossos filhos estavam usando um vocabulário carcerário.
Rimos. Rimos todos em uníssono.
Que divertido hahaha. Nossos filhos falando com vocabulário de cadeia. Rimos mais um pouco.
Nós, idiotas, acho que não entendemos. Apenas ficamos no divertido. O cara da palestra é bom mesmo, hein?

Então num dia qualquer, o vocabulário carcerário estava sentado no sofá da minha sala.

Chamei a atenção de meu filho, algo entre ponderação e alguns deslizes ocorreram, ocorrem.
A astúcia de nossos adolescentes fazem com que eles aprendam rápido "aqui eu não posso falar assim". Lá entre o grupo, os semelhantes, a coisa é diferente.

Mas foi ontem, justamente ontem quando os fatos sobre o crime com a garota estavam sendo divulgados na tv, que meu filho, chegou em casa após em evento na escola, e na empolgação em me contar como fora tudo, que tinha adorado, falou "naquele momento que o cara falou que era a favor das bombas atômicas, a bancada estuprou ele".

Para. Por que é que você está usando o verbo estuprar quando na verdade caberia talvez um "humilhou, colocaram o cara no lugar dele, enfim.

Ele me olhou assustado, como quem não estava entendendo o tamanho da minha indignação e respondeu: "Mãe, todo mundo fala assim, ninguém usa humilhou, é sempre estuprou".

Conversamos.

Não é só o meu filho. Um dia eu estava sentada no ponto de ônibus e chegaram adolescentes de outra escola. É o mesmo vocabulário carcerário que eu não entendia.

Eu já não me lembrava da minissérie Alemão ( acho que é esse o nome ) assisti apenas uns trechos e num deles de enfrentamento de bandidos eles se provocavam com palavras carcerárias que, me desculpe, mas você vai ler aqui, porque eu já ouvi de muitos pais o seguinte: isso é coisa de adolescente, não liga, vai passar".

Arrombado, filho da puta, carralho, nós vamos te estuprar.

Um pouco de vocabulário carcerário.

Eu gostaria muito de saber através dos comentários se isso ocorre apenas na minha cidade, nas escolas dos meus filhos e algumas ao redor ou se a coisa é geral.
Ou se é coisa só de São Paulo.

Meu filho disse que muitos dos youtubers famosos assim se expressam com o tal foi estuprado, vou te estuprar.

Como dizia uma antiga crendice; "Cuidado, vai que na hora que você fala passa um anjo e diz amém? "
As palavras estão ganhando um outro significado.
Tem o funk, tem os youtubers, tem sei lá o quê, facilmente eles se contaminam.
É preciso estar atento, chamar a atenção, falar duro, sério.

Vou tentar chamar alguns adolescentes aqui para saber a opinião deles.
Quero muito saber a tua percepção.

A minha acho que só veio mesmo à tona depois dessa tragédia da garota estuprada.
Que este caso desperte para atitudes, reflexões, mudanças inclusive políticas, nas escolas, nas famílias .
Para que não fique tão feio o post, tão pesado, vou encerar com uma frase do Papa Francisco:

"... porque elas [ as famílias ] não são um problema, são sobretudo uma oportunidade."


8 comentários:

  1. Ana, li atentamente teu texto e convoquei o maridão e o neto aqui ao meu lado para sentar pertinho e li novamente , desta vez alto para os dois. Após, pedi ao menino que respondesse pra mim a tua pergunta. Ouvi que aqui também, infelizmente usam a palavra estupro como sinônimo de humilhação, coisas assim. Fico pasma! Nada a ver isso! E esse vocabulário de detentos? Já nem falo de um ou outro nome feio, pois ninguém é santo e eu na hora do pega também largo uns cabeludos,rs... Porém até pra isso há de se ter respeito e nada mais desrespeitoso e desinteligente, pra não falar BURRO, que uma troca de vocábulos assim...

    Não te preocupa! Não é só aí! Deve ser GERAL e com isso, nossa preocupação apenas faz AUMENTAR! Colocamos nos colégios que julgamos bons e depois vemos essas coisas admitidas!

    De deixar tristes mesmo! Aproveitei pra avisar, aliás desde ontem o fiz, que esses tais de estupradores são seres inomináveis e que para eles, um dia podem pegar quem eles resolverem independente do sexo.

    Então, PENSAR MUITO antes de usar essa palavrinha! E, para completar a situação, ontem a notícia de um PAI que estuprou seus 4 filhos! Tem remédio? O último que sair apague a luz!

    bjs, chica e desculpa o jornal!

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  2. Vocabulário carcerário
    Vai pra lá a expressão, o uso e minha reprovação e indignação

    Falam e reproduzem os nossos por ser o normal, para se comunicarem com identidade coletiva
    E descontruir isso é nosso papel

    O professor deu ao meu o apelido de Paulo bate na porta, pois ele bate antes de entrar na sala ou qualquer lugar
    O certo
    Que ficou caricato

    Aqui rebato e coibo, o meu adolescente, os amigos, os adultos que são piores do que os novos, no vocabulário e no dever ser exemplo, conscientes, maduros

    Dizer que tá na larica pq tá com fome
    Que tá depressiva, que é bipolar
    Que pegou, fez e aconteceu
    Que fulano é retardado
    Nada disso tolero

    As palavras tem poder, tem consequências, ressonâncias
    Ecoam nos comportamentos, parâmetros

    Se acostumar com as más palavras nos torna maus, podres

    Não nascem prontos os adolescentes e adultos que serão, se formam, formamos e são mediados pelo mundo e esse mundo que vivemos cara Ana é carcerário, surreal, bizarro, doente
    É necessário darmos asas e raízes a nossos filhos
    Nos posicionarmos e cobrarmos aos nossos e a todos que nos cercam o correto, sejamos chatas, parece impopular e é, parece pouco, mas não é

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  3. Ana Paula
    também sinto revolta pelo uso da violência gratuita, seja ela nos filmes, nas publicações ou nas conversas, tudo ao alcance dos mais pequenos ou das mentes fragilizadas, sendo que essa violência se torna quase normal de tanto ser banalizada ?!

    dizia-se que "no principio era o verbo" para chamar a atenção para a importância das palavras

    também penso que é importante que se denuncie essa falta de respeito pela dignidade das pessoas, isso está a acontecer por todo o mundo, um retrocesso da civilização que só pode trazer sofrimento
    beijos Ana Paula
    Angela

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  4. Puxa Ana Paula, que bem colocado seu post!
    Realmente esse vocabulário carcerário está generalizado entre os jovens, essa cultura do estupro tem que acabar.
    Chamar a atenção para esse fato é o primeiro passo.
    Eu também estou passada com esse caso da menina...
    Precisamos ser fortes!
    Bjs

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  5. E eu acabei de postar sobre o mesmo tema. Muita coincidencia.
    não querendo me meter na educação do seu filho, nem nada, acho muito certo vc sentar com ele e discutir essas coisas. Acho que se o verbo "estuprar" foi banalizado assim é porque o próprio ato de estuprar não é visto como algo horrível e fora de rotina. Há banalização da violência mesmo.

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  6. Ana, esse é um assunto que mexe bastante comigo... sofri um abuso na infância que deixou marcas até hoje - preciso ter forte vínculo afetivo para me envolver com alguém por conta disso - e não gosto nem de imaginar como deve ser chegar às vias de fato.
    É necessário que se perceba o quão grave é o uso desse termo sobretudo de forma banal, e faz bem em abordar o assunto, com certeza está fazendo sua parte.
    Abraços!

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  7. Ana.

    Que bom esse tipo de reflexão proposta por você.

    Eu não tenho muita convivência com adolescentes a ponto de reparar e poder dialogar sobre as expressões que eles aprendem fora do seu lar.

    Mas eu gostaria de ter.

    Por onde ando e ouço diálogos sobre temas polêmicos, especificamente quando se trata de pensamentos e ideias de uma sociedade machista, tento, na medida do possível, propor uma ideia, um outro modo de pensar.

    Casos como o dessa garota, os homens e até as mulheres apontam os defeitos da própria garota, ao invés de ter um pensamento mais amplo sobre o fato em si.

    Deus abençoe todos nós, homens, mulheres, crianças, adolescentes, adultos, idosos.


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  8. Cara muito bom , 👏👏 e algo que temos que debater e falar por que infelizmente é algo que está no nosso dia a dia

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