Hoje,
domingo, foi dia de visita.
Já
tem cinco dias que eu estou aqui. Como não tem vaga nas enfermarias,
fico aqui mesmo na grande ala do pronto-socorro. Já acostumei.
Quando a crise vem forte, não tem jeito, é preciso vir para cá.
Logo
cedo as enfermeiras, e teve também um enfermeiro, passaram aqui
sorridentes e depois do café começaram a nos dar banho. Eles são
carinhosos, fazem o seu trabalho sorrindo. O mocinho, que eu até já
conheço, brinca bastante comigo, acho que é pra eu não ficar
constrangida por ser um homem a me dar banho. “Dona Izolina, hoje
vou até passar creme cheiroso, é dia de visita, daqui a pouco tua
filha tá aí!”.
A
gente vai vendo a necessidade, sabe que precisa ser cuidada e vai se
acostumando.
Um
domingo desses, cheio de sol, e eles aqui trabalhando, dando banho na
gente que não consegue levantar. Deixam de passear com os filhos,
almoçar com a família. Sou muito agradecida a eles.
Minha
filha chega. Eu sei que ela fica incomodada de me ver ali, mas eu vou
logo falando de como sou bem cuidada pelos enfermeiros e pelos
médicos também. Hospital público tem suas dificuldades, mas não é
de todo ruim não.
Minha
filha senta na cadeira ao lado da minha cama e como de costume traz a
revista semanal que eu sempre gostei de ler. Ela lê pra mim depois
da gente conversar dos meninos, do serviço dela, do meu genro.
A
reportagem que está na capa, fala do direito de escolher sobre sua
própria morte. É um assunto incômodo, mas peço a ela que
continue.
Agora
é permitido fazer um documento e registrar o tratamento que deseja
receber quando a morte se aproxima, chama-se testamento vital. Se
você deseja que sua vida seja prolongada ao máximo, deixa escrito.
Se não quer que se prolongue um sofrimento que não será revertido,
registra.
Olhei
atentamente as fotos dos médicos que ilustram a matéria e suas
falas.
A
visita encerrou. Já ouço os passarinhos se alvoroçando para o
entardecer e fico aqui com meus pensamentos sobre aquela reportagem.
Tem um médico lá que disse que “é vital ter um médico de
confiança”. Bem, é claro que ele não usa o sistema público de
saúde onde temos excelentes médicos, mas a cada dia é plantão de
um e não do outro e a gente já fica feliz de ser atendido. E reza
pra ele fazer o melhor pela gente. No dia seguinte já é outro, não
importa. Ele vai me cuidar também.
A
doutora escreve bonito, parece até poesia. “Quero um beijo de
boa-noite e de bom-dia. Que as portas do quarto estejam fechadas”.
Ela certamente nunca esteve numa ala coletiva onde se faz o possível,
coloca-se um biombo na hora do banho, mas não há portas a fechar.
Venho
pensando em tudo isso.
Venho
lembrando da minha mãe que contava da morte da mãe dela. "Ela me
chamou e disse: Izolina, pega aquela caixa em cima do
guarda-roupa, ali tem a minha mortalha, o terço que vou levar nas
mãos; a roupa você pode escolher. E naquela mesma noite ela se
foi, ali na sua cama".
O
primo Romualdo que foi picado por cobra peçonhenta e nem deu tempo
de chegar ao hospital.
Fico
pensando em todas essas pessoas aqui neste hospital público, os
doentes, os médicos. Fico pensando que não quero dar trabalho à
minha filha. É tão confuso para mim entender. Antes era Deus quem sabia a hora e agora?
Lindo,Ana Paula e nos remetes a esse tema atual. Eu quero ficar aqui apenas enquanto não tiver que ficar unida aos fios, aparelhos.Assim, assino qualquer papel, pra me deixarem ir livre, solta e voando,sr beijos,chica
ResponderExcluirOi Ana,
ResponderExcluirminha mãe, semana passada, ficou internada durante 6 dias com problemas circulatórios. Por melhor que sejam as acomodações, dá uma sensação estranha de finitude... Me vi no lugarzinho dela, tão pequena e frágil. Como somos frágeis. É bom refletirmos sobres temas como este. Tão nossos, tão humanos.
Bom início de semana e eutimia
Lindo texto. Esse assunto é realmente muito complicado. Não sei se gostaria de passar talvez anos ligada a aparelhos.
ResponderExcluirBom, te desejo muita paz e saúde.
Beijos.
Ana Paula, muito bonita essa postagem. Gostei muito dos detalhes do conto. Aprendi também uma coisa interessante. Muitas vezes, por causa de nosso excesso de preocupação e da incapacidade de resolver coisas sem solução, passamos ao doente, nosso ente querido, uma insegurança (nossa) que o incomoda a ponto dele não querer que se preocupem com o tratamento que está recebendo. Ele já não aguenta mais técnicas e nem "mágicas". Ele quer o nosso sorriso, o nosso carinho, a nossa presença e se possível a música dos pássaros e o barulho da natureza. O resto só incomoda, né?
ResponderExcluirBeijo
Manoel