sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Cama de casal


O pai incumbiu os dois filhos da ordenha das vacas e o mais velho ficou encarregado do agrotóxico na plantação.
Não deixa de usar luva e óculos. Seu Genésio passa aqui ainda hoje para trazer a máscara que eu pedi pra trazer lá da cidade. Vamos ficar só uns dois dias.”
Já estava colocando o chapéu na cabeça, mas a mulher advertiu que lá na cidade grande não se usava essas coisas. Dependurou-o de volta.
Viagem de seis horas.
A filha, moça estudada na maior capital do país, morou durante dois anos com os tios. Moça esforçada, trabalhadeira e econômica, comprou um apartamento.
Pequeno, é fato. Só um dormitório. Um bom começo, dizem.
Os pais, deixaram o sítio para ajudar a moça na mudança.
Ela não cabia em si pela conquista. Os pais, orgulhosos pela filha estudada e esforçada.
Chegaram cedinho e começaram a desmontar as caixas, chaves de fenda espalhadas, furadeira. E foi tomando forma o novo lar da moça.
Primeiro a cozinha; na sala de um sofá de dois lugares e uma cadeira, a cortina. Pediu comida pronta para entrega. Enquanto almoçavam, ligação no celular.
É o colchão. Vão trazer hoje à tarde”. Voz de felicidade quase infantil da moça.
Lavaram os pratos simples. O pai achou melhor deixar o café para mais tarde e foi montar o quarto.
Um pouco trabalhoso o guarda-roupa, mas jeitoso que era, logo estava empertigado o móvel.
A filha com a mãe trouxeram a cabeceira da cama que estava embalada e acomodada na lavanderia e a moça com o auxílio do pai foi desembalando.
Papelão, plástico bolha que a mãe ia rapidamente recolhendo e o semblante do pai modificou.
Quer parar um pouco? Vamos passar um café? Está tudo bem?”
O velho apenas disse que queria continuar para terminar logo. O aperto que sentiu no peito não ousou demonstrar. Aquela cabeceira era grande demais para a sua menina. Era uma cama de casal.
A moça, percebendo o desconforto paterno, tratou de arrumar a situação - “quando você vierem me visitar, já tem onde dormir, aqui na minha cama”.
Tentou entoar uma exclamação na fala, mas no fundo sabia o que se passava na cabeça do pai.

Era para ficarem mais um dia. O homem disse desculpas de quem se atarefa com a terra e partiram no comecinho da noite.
Para a mulher apenas reclamou a falta do chapéu. Seu velho chapéu que tão bem compreendia sua maneira de pensar.

12 comentários:

  1. Ana Paula, pai sempre fala muito pouco, mas pensa muuuuuuito!
    Adorei essa crônica.Tão gostosa de se ler e muito bem escrita. Merece parabéns!
    Beijo,
    Manoel

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  2. Que beleza,Ana Paula!

    E tantas vezes precisaríamos de um chapéu igual ao que ele sentiu falta, pra poder pensar melhor...Entender ...

    Adorei te ler e deu pra imaginar muito bem a alegria da moça e a saia justa do pai que se deu conta que sua filhinha crescera.... beijos,lindo fds!chica

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  3. Tanto nessa crônica!
    Cadência no contar como que nos levando pelas mãos.
    Vivências que são tão nossas de parte a parte.

    Sua fã
    Fã de chapéus
    De histórias de país, filhos, lares

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  4. ô, meu deus! um dia vamos passar por isso com nossos filhos! Mas faz parte, não é? Gostei, mas fiquei com vontade de ler mais um pouco! Beijos, Ana! Volto depois; estou com muitos textos pra ler. Não é fácil, não! :)

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  5. Quando minhas sobrinhas avisam que vão chegar com os namorados eu vou logo perguntando: "arrumo cama junto ou separado??" São os novos tempos e a gente fica torcendo para que tenham responsabilidade.

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  6. Que crônica linda! Sou suspeita para falar, vinda da roça, então fico logo encantada e comovida com essas histórias da gente simples do sertão. Na hora lembrei de meu pai, quando parti para estudar na cidade grande... teria sentido o mesmo desconforto? rsrsrs

    Texto muito gostoso de ler, flui, aliás, essa é uma característica da tua escrita! Gosto muito, sempre!

    Beijos

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  7. Como ele deve está se sentindo vendo sua filha ganhando o mundo e tendo seu próprio canto.
    Abraços.Sandra

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  8. Não deve ser fácil pra um pai deixar um filho, ou filha (pior ainda) criar asas e voar...
    Mas é tão necessário, tão bom, que o retorno será maravilhoso!
    Um lindo conto, Ana!

    Já disse que sempre me surpreendo qdo venho aqui, né? Adoro!

    Posso demorar um pouquinho, mas venho, com gosto!
    Beijos

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  9. É... a filha realmente cresceu.
    Entendo esse pai por ter um que muitas vezes age 'procurando o seu chapéu'.

    Carol
    www.umblogsimples.com

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  10. Adorei a crônica... Pai é bem assim mesmo! ... e deve dar uma dor no coração!!!

    Beijos!!!

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  11. É tal e qual, mas contado assim está ainda mais delicioso. Eu sou muito menina do papá.
    Beijinhos

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  12. Certos detalhes que falam alto caem primeiro nos ouvidos pensantes dos pais, estes leitores atentos das redondezas dos filhos.

    Bjos, Ana com gostinho de próxima vez.
    Calu

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