quinta-feira, 5 de março de 2015

O azul de Rosa

Rosa mostrou-me seu álbum de casamento como quem conta um segredo. E era mesmo isso. A cada folha de seda amarelada entre as grossas páginas, algo a segredar.
Era azul seu vestido de noiva. Azul escuro, um matiz ainda depois do marinho, que era para expor a sua vergonha, a vergonha que ela impusera à sua família, especialmente à seus pais. Rosa casara-se grávida. E aquele azul pesado ela achou que fosse o pior dos seus dias.
Não foi.
Nasceu o filho e depois outros e as coisas foram tomando rumo como o céu marinho que clareia celeste. 
E Rosa tinha uma família, uma vida normal. Talvez sua mãe estivesse tão encantada com o bebê, como costuma acontecer, que nem mais se lembrava daquele tecido.
Ocorreu que Agenor, o marido, o pai, trouxe para a vida de Rosa um azul ainda mais denso do que aquele do vestido.
Ele bebia.
Não sei desde quando ou se havia um porquê, acho que nem Rosa tinha a resposta.
Era um bom marido. Trabalhava corretamente. Ia e voltava a pé para que sobrasse mais dinheiro ao final do mês, ou não.
Na saída do trabalho, Agenor ia parando de bar em bar. Mesmo que não quisesse entrar, tinha lá um conhecido necessitando de companhia, querendo um dedo de prosa e um dedo a mais de pinga.
Chegava em casa com o andar cambalheante. A maioria das vezes nem jantava. Ia pro quarto dormir com a mesma roupa que chegara. Rosa ia para o quintal chorar.
Não fazia escândalos, não batia na mulher nem nos filhos. Trazia o salário para casa depois de pagar os bares. Rosa fazia pudim de pão dormido porque não sobrava dinheiro para um pudim de leite condensado.
Levava, religiosamente, um ramalhete de rosas vermelhas para Rosa no dia da mulher, aniversário de casamento, aniversário dela e dia dos namorados.
Embora não houvessem espinhos nas rosas, Rosa sentia dor a cada ramalhete. Eu acho que nem era dor, devia ser ódio, raiva.
Agenor não era um traste destes que se põe para fora. Era uma espécie silenciosa de bêbado, que nos tempos de hoje já fica feio falar bêbado e tem que dizer dependende.
No rádio Rosa ouviu sobre um pozinho que punha no feijão e tirava a vontade de beber e recuperava o indivíduo.
Emprestou dinheiro, comprou, fez feijão e segredou o pozinho por entre o caldo e os grãos.
Fui certa noite comer um pizza lá. Agenor dormiu à mesa com a boca aberta e a pizza mastigada dentro e também escorregando para fora.
Pagou caro o pó que o moço do rádio dava como certo. Não adiantou.
 O fim dessa história eu não sei, nunca mais soube de Rosa, e estou contando tudo isso para falar de mais um jovem que morreu "de bebida"numa festa universitária.
E é preciso que uma morte ocorra para que então comece a se refletir.

Não se mostra a devastação que o álcool faz na vida do indivíduo e o que este indivíduo faz na vida das pessoas. 
Na televisão a publicidade de bebidas alcoólicas é o equivalente ao que tínhamos no passado com os cigarros. Tudo é felicidade, liberdade; tudo é lindo.
Nas novelas, o máximo que acontece é um porre curado com uma chuveirada gelada e café sem açúcar. Ou uma passagem por uma delegacia e o resgate pelo pai após pagamento de fiança.

Eu tenho medo das universidades. O que antes era um sonho poder exclamar "meu filho passou na faculdade gente!" é quase um pesadelo, porque a força do coletivo pode ganhar sobre todas as conversas que a gente tem em casa.
Passar quatro, cinco, seis anos numa universidade, bebendo quase semanalmente em festas patrocinadas pelas próprias empresas de bebida, vai gerar o quê? Ou será que ao sair, com o canudo nas mãos, tudo volta ao normal e deixa-se de beber? E porque os jovens estão bebendo tanto?

Ia me esquecendo. Rosa tinha os olhos azul celeste. Uma pena que enxergava sempre tudo tão marinho.

12 comentários:

  1. Nooooooooooooooooossa! Que beleza,Ana Paula! Te aplaudindo daqui!

    Coitada da Rosa que tinha o marinho,. quase preto cercando sua vida... Pena que ela não teve força de abandonar o barco e levar os filhos junto para que não convivessem e passassem a achar normal a bebida.

    AFINAL VIAM ISSO TODOS OS DIAS E TUDO CONTINUAVA IGUAL.ELE DORMIA COM A MÃE, SENTAVAM À MESA JUNTOS. TUDO NORMAL"APARENTEMENTE"!


    E, quanto às universidades, realmente é um problema que vamos vendo e nos apavorando... Mais um se foi, mais um quis aparecer "bem" diante dos ditos amigos.

    Por isso, desde pequenos, devem estra bem alertados os filhos e netos e confesso que tenho muito medo... O perigo ronda colégios também. Um dos meus netos,já maiorzinho,depois dos 15, ia ás festas de colegas. O que acontecia? ANTES delas,m era marcado um AQUECIMENTO e de lá, já saiam prontos... E o que não fazia, servia de chacota! Mas sempre falei: melhor ser debochado por não fazer do que entrar nessas frias! Bem, desculpe: fiz um jornal! bjs, chica

    ResponderExcluir
  2. Belo e reflexivo escrito eme fez ver meu tio chamado apelidado carinhosamente de marinheiro, era igual ao Agenor, amava os filhos, 6 deles com quem vivi minha infãncia, amava a esposa, trabalhava noite e dia, mas bebia todo dia, aos bares, trazia dinheiro, a feira pra casa, mas lá no bar muito gastava e um dia vindo do serviço bêbado foi atropelado, ainda foi trazido pra casa, mas alguma coisa que não foi investigada lhe causou a morte ao lados dos aprentes, e ficou apenas a suadade e a dor da história: a bebida leva muitos velhos, jovens e sim na universidade. quanta tristeza! No blog hoje tem dica lindaaa avem ver se puder me ajude a divulgar, bjs

    ResponderExcluir
  3. Tantas Rosas pelo mundo...

    bjokas =)

    ResponderExcluir
  4. Oiii Ana, estava falando com meu marido esses dias sobre isso, são tantas histórias de faculdades principalmente as renomadas, que dá medo, outro dia brincamos que meu marido fará uma segunda faculdade só p acompanhar a Manoella e ficar de cão de guarda dela kkkkkk Bjossss

    ResponderExcluir
  5. Oi Ana
    Mais um texto reflexivo verdadeiro e sobretudo triste.É sempre triste ler sobre jovens ou adultos que se deixam levar pela bebida e depois nao encontram o caminho de volta ou chegam sempre 'cambalheantes'
    Uma dura realidade que assombra as famílias .
    Como livrar nosso filhos e netos dessa onda de drogas que assola nosso País? pergunta dificl de responder nao é? Ai minha filha sempre responde perguntas desse tipo com um _ 'reza muiiito !! ' rs
    Estou retornando depois de um período ausente.
    Um abraço grande AnaPaula

    ResponderExcluir
  6. Muito triste e todo ano é a mesma coisa, as mesmas notícias e os mesmos trotes, sem que haja alguém que dê basta.
    Bebem e bebem, ou serão perseguidos e discriminados durante todo o curso. Um horror!
    O álcool é a pior droga que existe, pois além de ser liberada, destrói famílias e mata quem o consome.
    Beijos

    ResponderExcluir

  7. Um belo pensar para uma reflexão dos valores. AbraçO

    ResponderExcluir
  8. É Ana Paula, tão preocupante as histórias pelas universidades.
    Eu que ainda tenho dois a caminho, me preocupo e oriento o máximo.
    Coitada da Rosa.
    Xero

    ResponderExcluir
  9. Como tantas a história de Rosa. Lamentável!

    Não adianta não saber, fingir que não sabe, elas existem e aos montes, tanto quanto os comercias de tv e vínculo da bebida alcoólica com tudo, o quanto ela mata no trânsito por exemplo e é vendida em nada menos que postos de gasolina.


    Triste realidade a das universidades e dos jovens e até crianças minha cara.

    Já vi e vejo país incentivando crianças a provarem bebida, em festas, em casa, desejarem que o filho seja cachaceiro que nem eles, cada dia mais mulheres se embriagando, dando vexame, perdendo a pose...tanta academia e salão para quê?

    Já ouvi de mães: Não vou dar suquinho natural porque amanhã ele vai tomar cerveja e energético e perdi meu tempo, vejo o desejo de pais e tios pelos adolescentes começarem logo a beber como batismo, como símbolo de sei lá o que.

    Nos interiores, longe das grandes cidades e universidades, bebe-se para aquecer do frio, por ser comum, por ser a distração do coletivo.
    Usa-se muitas drogas de diversos tipos nas pequenas cidades hoje pela falta de oportunidades, para dar barato e tão caro sai, tanto valor há na paz, no pouco e sagrado que têm, suas vidas, terra, cultura, natureza...

    Vi e vivi histórias marinhas, marejadas.

    Álcool é uma droga e a tv vende droga no mesmo tom e com a mesma licença que vende vida saudável.

    Beber é parte, pré requisito de saída, encontros, diversão, isso tem que mudar, URGENTE!

    Espero ver o álcool ser marginalizado como hoje é o cigarro.
    Espero uma realidade azul celeste.

    ResponderExcluir
  10. Oi Ana Paula, passa lá no blog que tem uma surpresa te esperando....
    Bjs

    ResponderExcluir
  11. Olá, Ana! Gostei muito da maneira como contextualizou o tema.
    Bom, o álcool é perigoso justamente por ser considerado uma espécie de droga aceitável. Não nego que gosto de um bom vinho, mas aprendi muito cedo a respeitar limites nem nunca quis passar pela letargia que o álcool em excesso produz. Minha filha, com 19, também tem limites bem definidos.
    Por outro lado as atitudes mais impensadas que tive foram justamente quando entrei na faculdade. Nesse ponto minha história se parece mais com a inicial da Rosa, da gravidez não planejada de alguém que não amava de verdade. Jamais imaginei que isso aconteceria.
    É um engano pais acharem que aos 18,19 anos os jovens já são adultos. São ainda imaturos e precisam de atenção constante e acompanhamento de longe, para que possam crescer e fixar sua maturidade. Talvez dessa forma episódios como esse se tornem raros. Um abraço!

    ResponderExcluir
  12. Sei bem ou pelo menos posso imaginar o fim da história da Rosa, coitada!
    Sabe Ana Paula, vivo me perguntando isto, porque os jovens e até os adultos bebem tanto hoje???
    Creio que esta mais do que na hora de se tomar uma providência, como foi feito com o cigarro...
    Vamos torcer para que isto aconteça e seguirmos fazendo a nossa parte.
    Parabéns pelo post!
    Bjs

    ResponderExcluir