quinta-feira, 28 de maio de 2015

Creme para as mãos

A tarde era abafada. O verão mostrava o seu ápice.

Eu, porém, estava sentada num ponto de ônibus a esperar pelo coletivo 131 - Terminal Central. Talvez outros servissem ao itinerário por mim desejado. Sendo novata na cidade, ative-me à indicação anteriormente recebida, mesmo percebendo que o tal 131 fosse dos mais demorados a passar por ali.

Foi boa a espera.

O ponto de ônibus com cobertura, bancos em bom estado e imensos painéis fotográficos em sua estrutura, uma espécie de papel de parede; era local agradável de se ficar em espera.
E o numeroso conjunto de edifícios acima e à direita, refrigeravam o pouco vento que flutuava por entre tanto concreto e vez ou outra uma lufada amena chegava.

O ônibus não chegava.

Chegou o primeiro cheiro de creme para as mãos.
Depois outro.
E mais outro.

Inacreditável: minha memória olfativa reconhecia todos; lembrei-me do tubinho branco com tampa verde-água de algum catálogo.

Desviei, não sem receio de perder o coletivo, o olhar do sentido do qual viria o ônibus e voltei a cabeça para o sentido do qual vinham os cheiros.

O horário era entre 16:03 e 16:08.
Elas vinham silenciosas da direção dos prédios carregando as mais variadas denominações: faxineira, empregada, diarista, doméstica, secretária do lar, cuidadora, ajudante.
Chegavam ao ponto do ônibus esfregando, sem pressa, uma mão na outra num cuidado delicado.

De algumas só o cheiro 'aparecia', em outras, via-se o tubo de fechamento prático sendo guardado na bolsa antes do ritual de deslizamento de uma mão na outra começar. 

Era um horário coletivo para a saída dessas trabalhadoras.

Esperavam pelo coletivo que as conduzirá até seus lares, e, com as mãos perfumadas lhe faziam o gesto de "pare, por favor, é o meu ônibus".

Talvez o creme para as mãos significasse a missão cumprida depois de um dia de labuta.

Talvez o creme fosse um bálsamo, um relaxante para mãos que fazem um trabalho para que outras mãos possam fazer outro.

Talvez o creme amaciasse a aspereza de uma vida cheia de falta de oportunidades.

Talvez o creme fosse vaidade daquelas que reconhecem a beleza das próprias mãos e do trabalho que elas executam.

Talvez o creme para as mãos tivesse para cada uma delas, moças, senhoras, mulheres, um porquê diferente.

Talvez fosse apenas um creme.

Acenei para o 131 e subi pela porta dianteira deixando atrás de mim aquela tarde quente e perfumada.

10 comentários:

  1. Ana, tu és danadinha de tão boa! Escreves muiiiiito! E me fez sentir daqui o perfume dos cremes das mãos..

    Realmente pra cada uma delas, após um dia duro de trabalho, significados diversos!


    Para umas, quem sabem um encontro pós trabalho, outra, deve correr para o colégio dos filhos e quer ter a mão macia pra acarinhar. Pode até ter aquelas que passam o creme das mãos pois na casa das patroas , nem sabonete bom ganham após a faxina...Assim vai. Deu pra voar contigo! Lindo! bjs, chica

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  2. Oi, Ana Paula!
    Temos que nos orgulhar dessas mulheres trabalhadoras de dupla jornada que no intervalo entre as labutas não se abatem e continuam vaidosas.
    A sua crônica me serve como peça publicitária que você deveria vendê-la para esse fabricante de creme para as mãos jus,(rs*) e eu estou cá pensando nesse creme milagroso...
    :)
    Beijus,

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  3. Adorei!
    Eu, amo cremes!
    Troco fácil perfumes por cremes.
    Podendo os dois, aceito :)

    Lembrei enquanto te lia de um que era meu favorito, Ponds. Lembro do pote e do cheiro.
    Tenho forte memória de cheiros. Quase um cão farejador.
    Amava tb o creme da lata azul, amo ainda, mas a lata voltou agora com um precinho meio forte. A marca de produtos que mais uso.

    O da revista, específico p as mãos, acho que só comprei uma vez, coisas muito específicas não são para mim. Passo onde quero, tenho vontade, só pra tal área, não obedeço.

    As ajudantes vaidosas são o retrato das mulheres atual ou das de sempre pra vc?

    Eurides, que ajudou minha mãe na minha infância, deixou na minha memória cheiro bom de sabonete e alfazema. Ia para casa tão cheirosa quanto vinha e tinha nela, na sua pele um cheiro dela, que mora em meu coração.

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  4. Tina, acho que são o retrato de sempre mulheres vaidosas: uma babosa colhida no quintal, cinzas do fogão à lenha, os catálogos de porta em porta, o pó de arroz cheiroso, clássicos sabonetes...
    A cada época talvez, um cheiro, um aroma, um significado!

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  5. Oiiiii Ana!

    Que texto mais cheiroso e carinhoso!

    Enquanto te lia lembrei que semana retrasada estava no onibus voltando para casa e senti um cheiro de creme, e tentei descobrir, pq sempre gostei daquele cheiro e não lembrava qual era... 2 minutos depois descobri, e fiquei com aquele sentimento de gratidão por lembrar e de conforto porque era um cheiro muito bom!

    Beijos

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  6. Adoro gente que vê poesia no dia-a-dia! Adoro gente simples, me traz uma sensação boa. Acho que lembrando da tia Nenzilia, que cuidou com tanto carinho de mim durante as semanas e finais de semana (eu era tão louca por ela que ia no fim de semana pra casa dela). Sempre tenho a sensação que gente simples é mais feliz, não exige tanto da vida, sei lá! Adorei o texto!
    Beijo

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  7. Ah mulheres... gostam de uns creminhos e seja lá onde estiver é sempre bom traze-los nas bolsas para esfregá-los nas mãos _enquanto o ônibus nao vem...
    E com olfato bom percebe-se até de onde poderá ter vindo,
    ...linda crônica Ana
    Nossos cotidianos muito bem desenhados.
    Parabéns

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  8. Ah que delícia te ler e voar com vc. O do tubinho verde e branco da avon lembras? luvas de silicone , tinha o de manteiga de cacau o mais famoso, ainda tem até hoje. Hoje são tantas marcas diferentes, e as mulheres continuam com o mesmo ritual, após o dia de trabalho o passar creme nas mãos é aliviar o dia , é saber que é preciso cuidar-se, é talvez o deixar a mão lisa pra acarinhar o filho, o marido, o amor. é saber está sempre pronta pra recomeçar. Bjs

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  9. These projects take place all over Santa Destroy, but fortunately you're not restricted to shifting around on foot--you have a souped-up fat-wheeled bicycle to zip around town on. The bicycle is handled through a Nunchuk-Wii Distant mixture.
    RS Gold

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