terça-feira, 1 de maio de 2012

A morte

A morte envolveu seu corpo e sua alma. Um xale de seda a deslizar pela sua pele, roçando com delicadeza a alma.
Não estava enferma, tampouco familiares e amigos; não havia perigo iminente, possíveis catástrofes, pensamentos assombrosos, nem o ébrio das religiões ou o torpor dos sentidos.
Estava num momento simples, cotidiano.
Vicejavam seus músculos, seu olhar, seus sonhos.
Entregou-se à textura macia com uma aquiescência desconhecida em si mesma.
O brando calor do seu interior contrastava com a ausência de sol naquela tarde de inverno.
A vida pulsava ali abraçada, enlaçada com a morte, sem medos, sem repulsas.
e o tempo era tão somente uma palavra naquela entrega.
Era aconchegante e misteriosamente agradável. Deixaria seu corpo no auge do viço. Desprenderia sem resistência a luz do seu interior. Talvez um certo torpor, uma pequena ansiedade como naquele momento em que se percorre a ponte entre um olhar e outro até que se unam, pela primeira vez, os lábios enamorados.
Diferente do que já ouvira tantas vezes, o que lhe acontecia naquele momento não era um aviso, uma situação limite, um chacoalhão da vida.
Aquela morte que lhe havia tomado por inteiro, ser e matéria, era uma morte viva. Morte vida.
Não modificou drasticamente o seu viver. Foi dura, foi dócil. Os problemas, os obstáculos continuaram a surgir.
E a vida e a morte numa única linha de desdobraram para conduzir seu caminhar sob o azul do céu.

5 comentários:

  1. Foi o lampejo de consciência que morte está bem o lado da nossa vida.Convivemos com ela, mas não a dramatizamos,nem mesmo que saibamos, não a querer como parceira...beijos,chica

    ResponderExcluir
  2. Ana Paula, putz! Que lindo! Pensando bem, isso é o morrer mesmo. Os que permanecem vivos é que dramatizam esse acontecimento comum a todos nós. Muito bem escrito. Adorei.
    Beijo
    Manoel.

    ResponderExcluir
  3. "A alma é uma borboleta.
    Há um instante em que uma voz nos diz que chegou o momento de uma grande metamorfose"
    Rubem Alves

    ResponderExcluir
  4. Nossa, achei tão lindo!
    Parabéns Ana, descrever assim a morte a torna até bonita (não gosto da idéia!).
    Voce tem a poesia nos dedos, isso é uma dádiva, para nós um presente.
    Muito bom, beijos.

    ResponderExcluir
  5. Essa consciência que passamos a vida de mão dada com ela é muito interessante...e bem real!
    Beijinhos,

    ResponderExcluir