quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Pêssego em calda

Quando a atriz Angelina Jolie anunciou a retirada das mamas preventivamente por causa do histórico de câncer na família, houve o chamado efeito Angelina Jolie, ou seja, aumentou consideravelmente o número de mulheres que procuraram o exame genético e muitas também optaram pela cirurgia.
É um fenômeno conhecido dos especialistas seja em moda, em comportamentos: divulgado um comportamento, atitude, para o bem ou para o mau, e ele se replica, se repete, vira espelho.

Por esses dias, a mídia mostrou a jovem americana com câncer que agendou sua morte no chamado suicídio assistido. E depois veio a divulgação da morte e da criação de uma png que leva o nome da jovem e pretende ajudar na divulgação.

Esse caso me fez lembrar muito de minha mãe.
Há 30 anos que ela morreu de câncer.
A última semana de vida foi de um sofrimento intenso. Algumas horas antes de morrer, estávamos apenas eu e ela em casa, e ela pediu-me que queria comer pêssego em calda com creme de leite.
Escolhi o maior dentro da lata e coloquei num copo, não tínhamos taça de sobremesa.
Acrescentei o creme de leite e a vi comer, ou melhor, apreciar, saborear com delicadeza, sem nenhuma pressa. As dores naquele momento cessaram e deram espaço para que a doçura tomasse conta de todo o seu ser. E depois de comer ela me abraçou. O abraço mais doce que já recebi.

Temo que nesses tempos difíceis em que ideias e atitudes se espalham numa velocidade assustadora, que muitas pessoas deixem de saborear um pêssego em calda.

13 comentários:

  1. Oi Ana Paula, fiquei muito emocionada com seu post!
    Que beleza, ter esse estado de presença até nos momentos mais difíceis da vida. Isso é sabedoria.
    Hoje está tudo invertido, distorcido, as pessoas querem controlar e apressar até a própria morte, nossa, me dá arrepios.
    Bjs

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  2. Que lindo e emocionante,Ana Paula!

    Não gosto dessas "modices" em tudo que infelizmente vemos por aí! Também não gosto de quem quer aparecer diante de situações assim; FAZ e PRONTO! Não precisa alardear!

    A história da tua mãe um amor! E ela deixou em ti, o gosto da ternura e doçura e o sabes bem usar, adequadamente sempre. Que todos saibamos apreciar um pêssego com ou sem creme de leite, mas com a profundidade desse do teu relato1 bjs, chica

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  3. Pois é!
    Programar, sistematizar, repetir, seja o bom ou o ruim sem ponderar, sem o toque da alma, do cada um é um, cada caso um caso, cada vida única, cada corpo, cada coração, crenças, vivências. Um erro!

    O pessoal é item de luxo. Sua história e a de sua mãe ñ é capítulo de novela, é única, ainda que algo bem parecido tenha acontecido com alguém. Descrever, sentir e processar como foi é parte do que vc é e da certeza que tenho que cada um dá o que tem, que vemos e queremos o mundo como somos.
    Ah se tds fossem iguais a vc, que maravilha viver.

    Meu avô amava pêssego em calda, tb amo (o fruto, a calda e o creme de leite, que é na família sobremesa do jantar natalino).
    Ele via borboletas antes de partir. Assim q disse isso entendi seria em breve uma e ñ recorri a interpretações espirituais ou psicológicas para essa interpretação, assim como um pombo enorme e gordinho visita a minha vó, aqui partindo e para mim é ele. Pinto suas unhas, penteio ela e me despeço e agradeço a cada vez que a vejo. Vou lhe oferecer pêssego em caldas já que ela ñ tem mais lucidez e vê a reação do pombo. Depois te conto!

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    1. * ñ tem lucidez p pedir, p lembrar q gosta

      triste isso e ruim p gente, p ela tanto faz
      p gente tb, pelo menos p mim um redimensionar do entender, saber, escolher...
      quisá esse seja mais um dos legados q ela veio p deixar

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  4. Ana!

    Que linda história! Minha vó ficou muito doentinha e fiquei com medo de perde-la, como estou fazendo tratamento com psicologa ela me disse para fazer como você fez com sua mãe. VIVER O MOMENTO! E foi o que eu fiz no hospital, beijei, fiz carinho, só não pude dar sorvete pois ela estava com sonda (ou seja, nem água podíamos dar para ela).
    Foi muito bom, tudo tem seu tempo e eu aprendi, e fiquei triste com a escolha da moça.

    Beijos

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  5. Olá, querida Ana
    Muito triste e,ao mesmo tempo, lindo demais!!!
    To comendo um prato de algo adocicado para poder amanhecer mais doce e me livrar de vez da virose que me pegou de fininho...
    Hoje vi pêssego em caldas e vou até comprar pra me lembrar de adoçar a vida ainda mais...
    Vejo muita verdade em seu post!!! A vida mais terna precisa de ser alimentada...
    Bjm fraterno

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  6. Em controversas escolhas corre-se o risco de perder-se momentos inesquecíveis onde minutos ganham contornos de anos e avida se adoça em sabores e sentires únicos.

    Um bom final de semana, Ana.
    Bjkas,
    Calu

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  7. Ana, que momento único! E tão doce que nem o pêssego foi capaz de ser tão doce quanto o abraço de sua mãe.
    Tomara mesmo que esses momentos únicos nunca saiam de moda. Triste, fazer o quê?
    Bom fim de semana, beijos!

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  8. Que texto emocionante!
    Acho que a gente tem que aproveitar cada momento de vida que nos é concedido e vivê-los intensamente, aproveita-los da melhor maneira possível como se fosse o último, fazer o bem, viver as pequenas coisas, fazer da vida um grande doce e não uma moda!

    Beijo!

    P.s. achei seu blog pelo IG :)

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  9. Ana, seu texto me emocionou. Me fez lembrar que uma vez minha tia, também com câncer, pediu que ue fizesse carne assada, macarrão e maionese para ela. Fiz com todo carinho mas não a vi saborear, pois ela estava dormindo e eu não quis acordá-la. Depois ela ligou, disse que se deleitou comendo o prato.
    Tenho medo dessas atitudes que citou. Por um lado, medo de julgar, afinal só quem sofre sabe o que sente, por outro, de apressar algo que tem seu tempo para acontecer, aprendizados a se consolidar, lembranças a produzir. Também eu tenho medo de ter pressa e sofrer a perda que só o tempo dá.
    Abração!

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  10. Querida Ana Paula, só quem passou por momentos assim, sabe o que fala.
    Sinto por você, pelos seus que tiveram que lidar com esta dor terrível!
    Não quis ler sobre o caso dessa moça, porque sou meio covarde para doenças e ando meio fragilizada também, mas soube o que ocorreu.
    Espero que a notícia não se propague em ações desse tipo também, afinal, perder a oportunidade de mais um dia, de sentir o doce da vida, é uma coisa que não se deve fazer.
    um grande abraço carioca


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  11. Que bom, que privilégio ter vivido este momento com a sua mãe. Uma despedida doce, leve e saborosa...
    Para mim isto é puro amor verdadeiro.
    Bjs

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  12. Ana Paula, sua experiência é tocante, dá para sentir a singularidade do instante que vocês duas compartilharam em meio a calda de pêssego com creme de leite. Tudo calma e deliciosamente saboreado - o doce e o momento ímpar. Realmente, hoje acho que muitos abreviam a felicidade, talvez justamente por estarem temerosos da dor. Não sei ao certo. Só sei que vale a pena viver cada segundo e fazê-lo eterno, como aconteceu com você e sua amada mãe.
    Lindo relato, emocionante!
    Beijão.

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