terça-feira, 22 de março de 2011

Colherzinhas

PINK spoon by geishaboy500
PINK spoon a photo by geishaboy500 on Flickr.


Li este texto faz alguns meses, numa manhã de segunda-feira. Senti imediatamente que queria mandá-lo a uma pessoa.
Enquanto digitava, os pensamentos foram se apoderando do meu sentir, e de tanto pensar, desisti de enviar.
Ficou guardado. Hoje quando encontrei essa imagem, fui em busca do texto.
Preciso sentir mais e deixar o pensar às vezes , de lado.

Quando eles se deram conta de que a posição que adotavam para dormir tinha um significado psicológico importante, ficaram extasiados. Recém-casados, sabiam que se amavam muito. Mas não tinham pensado que seus próprios corpos exprimiriam isso. Eles eram as colherzinhas; tais como as colherzinhas na gaveta de talheres, encaixavam-se maravilhosamente um no outro. Dormiam acolherados, como dizem os gaúchos. E a partir daí passaram a chamar um ao outro de colherzinha. Os amigos achavam graça, mas a verdade é que eles eram o exemplo do casal perfeito.
Contudo, as coisas mudam. Já no final do primeiro ano de casamento começaram as brigas. Descobriram que não eram tao parecidos assim, que seus gostos diferiam muito.
O resultado disso é que, na cama, já não adotavam a posição de colherzinha. Ficavam os dois de costas um para o outro. Ele roncava, e ela, impaciente, o cutucava com os dedos, que pareciam os afiados dentes de um garfo. Ele respondia com frases agressivas, cortantes como a lamina de uma faca afiada.
Acabaram se separando. Ela ficou com o apartamento, onde agora dormia sozinha numa cama de casal que subitamente se tornara imensa. Ele se mudou para outra cidade e não dava noticias.
Ela aguentava firme, mas um dia desabou. O dia em que, abrindo a gaveta dos talheres, viu as colherzinhas perfeitamente encaixadas umas nas outras. A imagem da harmonia, a imagem do amor.
Pensou em mudar de país. Pronta para viajar, bateram à sua porta. Era uma entrega para ela.
A bela caixa de veludo, ela abriu com os dedos trêmulos. Ali, amarradas com um caprichado laco de fita, estavam duas reluzentes colherzinhas, devidamente encaixadas.
A campainha voltou a soar. Ela correu para abri-la. Sabia que a felicidade estava chegando.

Moacyr Sciliar escreve nesta coluna, as segundas feiras, um texto de ficcão baseado em notícias publicadas no jornal (Folha de são Paulo 22/11/2010)

5 comentários:

  1. Olá Ana Paula, desculpe a ausência, mas a netinha adoeceu e eu perdi o eixo. É bem assim mesmo, só as avós entendem disso.
    adorei o texto das colheres, bem como os anteriosres. Sobre as meias então, acho que é um problema universal. Quem tem criança sabe.
    O texto que você transcreveu é de Moacyr Scliar, que faleceu o mês passado em Porto Alegre?
    Muito bonito, e muito real.
    beijo

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  2. Ivani, você me trouxe uma notícia da qual eu não sabia. É sim o Moacyr que faleceu mês passado. E por coincidência, hoje é o dia do seu aniversário. Fiz uma pesquisa rápida e descobri que ele produziu uma extensa obra literária. Melhoras à netinha.

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  3. Oi Ana, deixei um comentário "extenso" em sua mais nova postagem (sobre Moacyr Scliar) mas quando fui fazer login, alguma coisa aconteceu, travou tudo e acho que o perdi. Vou dar um tempo. Se não for publicado, farei outro. Beijo.

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  4. Oi Ana Paula. Me chamo André e fiz um curta dessa crônica. Quando li, soube na hora que queria filmar.

    http://www.youtube.com/watch?v=HroQuVq-toA

    Abraço.

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  5. Lindo lindo lindo este post :-)
    Vou lá ver o video.
    Beijo!

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