domingo, 3 de julho de 2011

Vida virtual

Quero deixar registrado o meu ingresso na vida virtual. Meus filhos precisam saber.
Não nasci em berço digital. Mas havia alguma tecnologia à época.
As ruas eram repletas de fuscas.



Para mim isso era alta tecnologia e meu pai tinha um 66. Ainda não existia a brasília (depois meu pai teve uma, cor ocre).
Outra tecnologia que eu achava fascinante eram as fichas telefônicas usadas nos orelhões alaranjados por tempo indeterminado. Sim podia-se falar o quanto queria, sem se preocupar com o tempo com apenas uma ficha. As filas que se formavam nos orelhões eram piores que as de banco. E quando você seria o próximo a poder falar e ficava ali em pé, sol quente e ouvia a conversa alheia perguntando se hoje iria lava roupa, se iria pendurar no varal da frente ou de trás, percebia que era conversa fiada, coisas inúteis e por que então não desligava logo para ser a minha vez de falar inutilidades?
Certa vez cismei de pedir a minha música favorita para a rádio pelo orelhão. O que era aquilo? Só dava ocupado, meu dedinho de criança já avermelhado , mas eu não desisti e consegui! Corri para casa, sintonizei o rádio com bombril na ponta da antena e eles falaram o meu nome e tocaram a música. Meu coração disparou e meu dia ficou azul.
Outra tecnologia que eu utilizava muito era a dos correios. Adorava cartas. Escrever, recebê-las...
Meu pai, homem rigoroso, nunca permitiu que eu chegasse perto de gibi. Mas permitia que eu fosse à venda do português Joaquim para comprar meia bengala, assim se chamava o nosso pão. A banca de jornal era em frente. Contei minha tristeza para o dono que me deixava folhear uma revistinha. Eu não tinha agilidade na leitura, somente apreciava os desenhos e descobri ali uma coluna em que publicavam o seu endereço para você fazer amigos através da troca de correspondência. E meu nome foi publicado e eu recebia até três cartas por dia e respondia em papel enfeitado de cor de rosa! O coração ficava à espera do carteiro porque tinha certeza que um envelopinho chegaria!
E a vida foi soprando seu alento que faz crescer e também redomoinhos que nos levam para longe.
Fui parar numa cidade pequena do Paraná, mas bem próxima da capital. Dia cinza.
Morei alguns por lá com uma amiga mais velha, cujos filhos eram da minha idade.
A moça trabalhava na fábrica de cerâmica da família, no escritório e vivia com os dedos pretos, tingidos pelo carbono que usava para as notas fiscais datilografadas.
Certo dia, na mesa colorida do almoço, o irmão anunciou a inovação que ele trazia para o escritório. Computador e impressora para as notas.
Que inovação! Eu passava por lá e ouvia o barulho constante da impressora e das grandes folhas de notas fiscais. O trabalho melhorou muito para minha amiga.
Esse filho, que se tornou meu amigo, estudava computação na faculdade. Eu achava aquilo engraçado porque não havia computadores por ali, ele mesmo não tinha, como é que podia estudar?
Ele sempre me pedia para trazer livros técnicos da Capital. No caminho da volta eu folheava os tais livros: grossos, pesados. Eu só pensava naquela música “mais fácil aprender japonês em braile”do que entender aqueles códigos.
Então chegou o grande dia em que ele conseguiu montar a partir de sucatas e placas o seu computador e instalou em casa e nos chamou para navegar na internet. Escolhemos o museu do louvre.
Como aquilo demorou. Parecia-me mais fácil trabalhar, economizar e ir até Paris.
Mas conseguimos, foi uma emoção estar diante daquilo. Alegria que durou pouco porque depois descobriu-se os problemas.
A linha telefônica ficava ocupada o tempo todo em que o computador estivesse ligado. A mãe mandou que ele providenciasse uma linha só para ele.
E depois veio a notícia que aquelas ondas do computador eram maléficas.
Que horror. Tão gostoso era ver os quadros famosos e tão prejudicial.
Veio então a descoberta: spray para computador. Não desses que limpam a tela. Eram um spray para essas ondas nocivas. Sim, meu amigo usou muito e todos nós também.
O vento soprou novamente e quando eu fui visitar as escolas para colocar meu filho, todas pediam o meu e-mail. Como assim se eu nem tenho computador?
Sentia-me com uma criatura de outro mundo. Acho que só eu não tinha e-mail.
Algumas escolas foram logo dizendo que a comunicação, os informativos, os boletos, tudo eletrônico.
Pensei que pudesse viver sem um computador. Até aquele momento não tinha feito falta. Tive que me render.
Mas antes de comprar um, matrícula na escolinha de computação.
Instrutor particular no melhor estilo: perca o medo do mouse...
Sim eu tinha medo, minhas mãos tremiam e eu ficava aflita cada vez que aparecia uma janela ali sem eu ter chamado. Foi sofrido, mas pelo menos hoje não tenho mais medo do mouse. Não aprendi muita coisa não. O suficiente para vir aqui na pracinha digital, fazer amigos, papear e ver a vida bem colorida! 

6 comentários:

  1. Que delícia ler isso,Ana Paula! Todos nós passamos cada fase !!!

    nada de tecnologia e ainda assim, nos encantávamos com tudo! Era o máximo cada novidade.

    E SOBREVIVEMOS!!!

    Eu também, nada sei das entranhas dos computadores e sei apenas o que me permite me divertir por aqui,srsr

    Meu filho fica impressionado como alguém que não sane NADICA de NADA, está sempre nos blogues e inventando modas por aqui,srsr beijos,lindo domingo,chica

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  2. Ah, sou uma apaixonada por informática, mas não sei muita coisa, e, talvez por esses 2 motivos, sou casada com um eterno estudante desse assunto!! Nossa, são tantas coisas novas que meu marido tem que se atualizar sempre, não tem jeito.
    Já minha filha cresce cercada por essa tecnologia tão avançada, mas não dispensa as coisas simples da vida como soltar bolinhas de sabão e rabiscar na lousa - e nas paredes de casa!!
    Beijocas,
    Aretusa, mamãe da Doce Sophia

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  3. Oi Ana, que texto maravilhoso!! Realmente muita coisa mudou em tão pouco tempo e a gente tem que correr atrás... mas sem perder o fôlego, né??
    Obrigada pela visita!!
    Uma linda semana pra você!!
    Mil beijos!!

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  4. Nossa Ana, como falei no orelhão!!!
    Quanta conversa jogada fora, rs, ligava para as amigas sem ter nada para dizer. Mas que época maravilhosa!
    Só vc pra fazer a gente desenterrar essas lembranças. rs
    Boa semana!!!
    bjs

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  5. Oi Ana, demorei mas vim!
    Me diverti à beça com eu texto. Bem real mesmo!
    Se for contar as minhas descobertas, então, vai dar um post também.
    Quem sabe?
    Como disse a Chica alí em cima eu também só aprendi o suficiente para me divertir, blogar e conversar com pessoas ótimas.
    E não basta? trabalhar em ciência da computação é que eu não pretendo...mesmo!
    beijos querida

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  6. Ana, adoro te visitar! Ótima idéia essa do registro de sua memória tecnológica!

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