quarta-feira, 17 de outubro de 2012

À meia luz


Eu sei que é feio escutar conversa alheia, mas eu o fiz.
Por uma fresta no telhado, talvez um pequeno desencaixe duma telha, eu pude ver um passarinho conversando com uma estrela.
O relógio de ponteiros fluorescentes no meu pulso, marcava 2:14 na alta madrugada.

"Pequeno passarinho, quanta aflição. Tome um fôlego, descanse um pouco no colo da lua minguante. Longa foi tua viagem."
Resfolegando ainda, conseguiu fazer a pergunta que lhe conduziu a tal distância:
"Admirada estrela, como vocês, delicadas constelações, conseguiram se fazer ouvir pelos humanos e eles concordaram em deixar a cidade à meia luz? A pedido de meus semelhantes penosos urbanos, preciso levar dessas alturas luminosas uma resposta. Já não dormimos e pouco antes das três horas da madrugada, estamos cantando sem saber o quê. Há um segredo?"
"Crianças, velhos, apaixonados e poetas - dentre os humanos, procure por estes. Talvez também um cientista ou ambientalista. Eles ainda se maravilham com o firmamento. Eles ainda desejam um manto de estrelas na noite para que possam alvorecer ouvindo o cantar de passarinhos. Eles ainda se maravilham... e são eles que podem apagar interruptores ou colocar a cidade à meia luz. É só encontrar essas pessoas. São eles que ajudarão a transformar."
Inflando o peito com ar brilhante e com a expectativa de encontrar os maravilhados poetas, crianças, velhos, apaixonados...

Tenho realmente acordado cedo com a cantoria de sabiá. Pensei, a princípio que a proximidade do verão, que vai clareando mais cedo o dia, fosse a explicação. Acordei e olhei o relógio imaginando ser por volta das cinco da manhã e me surpreendi com o 2:54.
Cantar tão cedo? Virei para o lado, já que tinha boas horas de sono e nem ousei pensar no assunto. Achei, sei lá, que fosse normal. Coisas da natureza.
E então me deparei com uma crônica de Ruy Castro onde ele relatava que uma amiga sua reclamava da cantoria de galos ( por incrível que pareça na cidade ) às três da manhã. O que estaria provocando o furor dos galos - ele indaga. E depois uma matéria sobre o Observatório Municipal de Campinas que juntamente com a prefeitura está implantando um projeto para a diminuição da "poluição luminosa" uma vez que esta impede algumas observações e interfere nos hábitos dos animais. O projeto visa orientar a iluminação dos quintais e da entrada das casas no entorno do observatório, sem interferir na segurança, ou seja, tudo à meia luz.

Ainda é possível ver estrelas aí onde você mora? E o galo, a que horas tá cantando?!

6 comentários:

  1. Muito boa tua crônica e observação! Aqui também os sabiás nos brindam com a serenata por volta das 3 horas. A cidade não dorme, há movimentos pra cá e lá e eles coitadinhos, estão mais perdidos que cusco em procissão,.rs...

    Essa madrugada um fazia uma sinfonia solo e depois os outros iniciavam.. Eu, acordada na cama, imaginava uma historinha,rsrs...


    beijos,chica

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  2. Ótimo post :)
    Por aqui estrelas e pássaros que só nos acordam se passarmos do horário.
    Por meia luz então e um papo com o sabiá, faz um acordo apassarinhado com ele. Eu converso com o passarinho que vem sempre aqui, como quem conversa com quem está entendendo, tipo:
    - Não posso agora, estou ocupada!
    - Nada de ficar fazendo suas necessidades aqui hein! Ai! Ai!
    E ele vai me obedecendo e as vezes me fita, olha, revira o pescoço e eu entendo o que ele diz.
    Meu carinho e canto de passarinho no final da tarde \o/

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  3. Infelizmente enquanto estou aqui no Rio só ouço mesmo sirenes dos Bombeiros logo cedo( moro perto), mas semana que vem viajo pra Vitória e lá tenho passarinhos nas varandas- melodia o dia todo.
    E se andar mais um pouco para o interior aí sim tenho galos amanhecendo o dia com (muitas vezes) irritante cantoria rs
    Muito bom AnaPaula, estrelas e passarinho faz todo sentido.
    abraços

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  4. Adorei encontrar teu blog! Uma escrita que desliza, temas que me atraem.

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  5. Olá Ana Paula, primeiro quero agradecer pelo carinho de tua visita lá no meu cantinho, amei.
    Agora quero falar sobre sua crônica, maravilhosa por sinal, que veio de encontro a minha busca pela terceira Maria.
    Fiquei por mais de quatro meses procurando por ela, e agora ao te ler fiquei pensando, será que foi a luminosidade das lâmpadas da rua que ofuscou o brilho dela?
    Penso eu que possa ter sido, porém confesso estar muito feliz em a ter encontrado de novo.
    :)

    Aqui eu ouço o canto de um galo, e ele sempre me desperta antes do horário certo.
    Como não sei onde ele está, precisamente, fiquei a pensar se a claridade das luzes o está confundido e ele pensa estar já amanhecendo, conforme a explicação encontrada em sua crônica.

    Bem, me estendi muito, adorei te ler.

    Beijos com carinho.

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  6. Ana Paula, interessante e chocante essa postagem. Aqui onde moro, o céu estrelado ainda dá para ver no meu quintal, a passarada pela manhã numa bela sinfonia, mas o famoso galo já não canta mais. Provavelmente até não o faça por medo de ser sacrificado e virar "canja" em algum lugar.
    Beijo
    Manoel

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