quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Medos de criança


Criança e escuro não têm qualquer afinidade. Não combinam.
Claro. O escuro impossibilita aquele lindo olhar curioso.
Amedrontado é o adjetivo que se apodera do olhar pueril perdido no escuro.
E é por este motivo que eu às vezes afrouxo a bronca que daria nas crianças quando elas deixam de ser eco-sustentáveis e no seu eco-pavor da escuridão disparam interruptores.
Como é engraçado: estão tão distantes de um determinado cômodo, mas a luz dele está acesa.
E quando interrogadas sobre os interruptores, as respostas são de outro mundo.
Fantasmas, espíritos, bruxas, todo o folclore brasileiro e talvez outros até emigrem para aumentar a veracidade das justificativas.
Única maneira de desacelerar o relógio medidor, lembrar da mobilização “Hora do Planeta” e voltar a ser ecologicamente correto é afugentar o pavoroso com explicações pacientes e bem humoradas enquanto se apaga novamente as luzes.
Essa é uma faceta encantadora das crianças que fica na memória.
Tanto fica, que tarde dessas, após deixá-los na escola, eu estava no silêncio dos cômodos, luzes desligadas, afinal era uma linda e ensolarada tarde e eu já passei há muito o medo de escuro das crianças e estava com a memória cheia das luzes e das vozes infantis e exasperadas falando-me do além.
Inevitável não rir...
Mas foi bem no meio do riso solitário que um som estranho adentrou pela porta fechada dos fundos.
Fechada sim, porque depois daquele acontecido eu aprendi a conjugar o verbo chavear.
Apartamento, porta dos fundos (fechada) e um som, que misturado ao tambor que meu coração se tornara, parecia com fungadas, ar querendo adentrar, mas nada semelhante a algo deste mundo.
Foi então que alguma dentro de mim resolveu raciocinar: lá do lado de fora da porta há um corredor com sensores. Qualquer coisa que estivesse ali, dispararia o interruptor invisível e faria luz no corredor.
Foi então que fui assolada pelo terror: continuava tudo escuro pela fresta da porta. Nada de interruptor invisível acionado. Invisível era o qualquer coisa que estava ali grudado na minha porta emitindo um ruído desconhecido.
Acionei todos os interruptores próximos, disparei o relógio medidor, deixei de ser ecológica, questionei onde estaria o nosso cão para me proteger e deschaveei a porta lentamente e...
Era um cachorro, que além de respirar na minha porta, depois passou a arranhá-la.
Depois que vi o que era aquela criatura apavorante, tranquei a porta imediatamente e interfonei para o porteiro e alguns minutos depois subia a dona do animalzinho.
Assim que vi a luz do corredor acender-se automaticamente, abri a porta e me emocionei ( mentira!).
A dona estava no primeiro andar chorando. Achava que o cãozinho fugira para a rua. Eu chorava no nono andar sem saber para onde fugir.
Trocamos um abraço emocionado (mentira!). Para mim foi um abraço aliviado.
Logo depois voltei a gargalhar com a situação.
Bem, acho que mantenho uma criança em mim.

7 comentários:

  1. rsssssssssssss....E é verdade...Passamos cada medo que nem te conto... E na hora é real e cresce!!! beijos,tudo de bom,chica

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  2. Adorei a narração...rs
    E como já dizia Platão:

    "Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz."

    Bjão

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  3. Muito bom esse texto, me fez lembrar que eu tinha muito medo de olhar embaixo da cama quando estava escuro. rs

    bjs

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  4. Oi Flor! Sim, vou parar com o blog.. sabe comop é, a vida ta tão corrida.. e como a idéia do meu blog era colocar a vida de cidade grande com cara de interior... hehe
    Não tenho tido muito tempo pra fazer nada.. trabalho, estudo e pobre marido e filhos ficaram para as horas vagas.. Mas tudo bem, no futuro as coisas fcarão mais tranquilas.. beijõess

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  5. É sempre bonita essa criança que existe dentro de nós... mas não os medos que ela transporta!
    Uma narrativa que se lê num fôlego...e que acaba num abraço muito lindo!

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  6. A gente apenas "pensa" que cresceu...quando a gente menos espera...olha a criança aí de novo...e voce lá, rindo dos medos de seus filhos (risos). Dali a pouco, era voce no lugar deles...
    Muito boa a sua crônica.
    Essas nossas crianças internas, que teimam em não morrer, e sempre estão a retornar...hahaha!!! adorei!
    Beijos
    Liz

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  7. Oi Ana, que interessante essa postagem. Quem disser que não tem medo de nada, mente.
    Já tive muitos (escuro inclusive) mas o maior, e até hoje, é de temporais.
    Essa situação de não saber o que há do outro lado da porta é horrivel. Não gosto nadinha de ter que abrir para ver. Mas abro, sou bem curiosa.
    Para ilustrar, outro dia dei várias vassouradas em uma aranha. Eu de olhos fechados de tanta aflição, e batendo como uma louca. Empurrei a aranha para o terraço do apartamento e só no dia seguinte entendi que era de plástico, de meu neto. Se disser que coloquei panos sob a porta para ela não entrar na sala você acredita? nunca me senti tão ridicula!
    beijos querida, adorei tudo!

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